Se você estiver escrevendo terror, fantasia sombria, mistério ou qualquer outra coisa que requeira suspense, um bom susto ou qualquer coisa que possa aterrorizar os seus leitores, você provavelmente já sabe que a palavra escrita pode enchê-lo de pavor, e até mesmo sobressaltar você. Esses sentimentos não estão reservados aos filmes.
Mas quanto estudo você dedicou ao modo como os seus autores de terror favoritos se empenharam para assustar você com a palavra escrita?
Filmes dependem de edição, de pistas de música, de performance, de efeitos especiais visuais e de maquiagem… todo um desfile de ferramentas cinematográficas. Mas em prosa, tudo o que nós temos com que trabalhar são palavras, e a imaginação dos nossos leitores. A boa notícia é que essas são ferramentas poderosas.
Embora você possa não ter muito controle sobre a imaginação de cada leitor, ou sobre a interpretação que ele fará de seu trabalho, as maneiras de organizar as palavras em frases e as sentenças em parágrafos podem ativar a psique dos seus leitores de formas que você pode não ter imaginado serem possíveis.
Tudo se resume à respiração
Mesmo quando lemos silenciosamente, nós tendemos a respirar acompanhando o que estamos lendo, como se estivéssemos lendo em voz alta. É impossível para nós desligarmos certas partes do nosso cérebro, e quando algo nos leva a começar a respirar de forma diferente, isso nos força a entrar em diferentes estados. Quando está num pânico cego, você tende a hiperventilar, respirando em arfadas rápidas e superficiais. Quando está nervoso ou ansioso com alguma coisa (a sensação de suspense), você tende a prender a respiração, e respirar mais devagar.
A boa notícia para os autores de terror e suspense é que esses processos também funcionam no sentido inverso. Se você puder forçar esse estado de respiração (ou, mais precisamente, uma versão menor, menos fisicamente traumática desse estado) em seus leitores, você vai provocar a resposta psicológica necessária.
Evocando suspense e ansiedade
Quando você está construindo suspense, evocando uma sensação de morte iminente ou o medo terrível do desconhecido, faça o seu leitor prender a respiração. Impeça-o de fazer sua próxima respiração por mais tempo do que o normal. E embora possa parecer impossível realizar isso com palavras em uma página, lembre-se do que eu disse sobre como nós inconscientemente respiramos como se estivéssemos lendo em voz alta, mesmo quando não estamos.
Uma das razões pelas quais as frases são finitas é que o ponto no final nos permite uma respiração. Os parágrafos nos dão uma chance de respirar mais fundo. Então, se você quiser que o seu leitor desacelere a respiração e comece a se sentir nervoso, ansioso ou com medo, mantenha suas frases longas, e seus parágrafos mais longos ainda.
Bem no início do clássico livro de Shirley Jackson, The Haunting of Hill House [N.T.: Editado no Brasil em 1983 com o título A Assombração da Casa da Colina pela Editora Francisco Alves, já esgotado] a protagonista, Eleanor, está a caminho de encontrar seus colegas investigadores paranormais em uma casa que é conhecida por ser assombrada. Embora animada por ser parte de algo potencialmente importante, e por ficar longe de sua vida monótona na cidade, Eleanor tem pavor do que vai encontrar lá, e não apenas por causa dos fantasmas, mas como resultado do que nós agora nos referimos como ansiedade social. Quanto mais perto da casa ela chega, mais ansiosa ela fica.
Jackson transmite essa ansiedade com um único parágrafo, em que Eleanor faz uma parada em uma pequena cidade ao longo do caminho e toma uma xícara de café. É uma cena inócua, mas contada num tenso POV [ponto de vista], é incrivelmente estressante. Este único parágrafo é composto por dez frases. A primeira dessas frases é a mais curta, com 28 palavras. A última é a mais longa, com 52 palavras. [N.T.: Contando as palavras do original, em inglês.]
Tente lembrar da última vez em que você leu, que dirá escreveu, uma frase que tivesse 52 palavras.
Ao final deste parágrafo monstro, Shirley Jackson deixou seus leitores com falta de ar, e ajudou a solidificar The Haunting of Hill House como um dos clássicos incontestáveis do gênero.
Em outro clássico conto de casa mal-assombrada, Hell House [N.T.: Publicado no Brasil em 2009 com o título Hell House – A Casa Infernal pela Editora Novo Século, também já esgotado], o autor Richard Matheson evoca esse sentimento de pânico em uma cena de nove parágrafos, cada um com no máximo duas frases curtas. Leitores estão acostumados a fazer uma respiração completa depois de cada parágrafo, então as respirações virão rápidas e furiosas através de:
Ela parou com um sobressalto e olhou para a mesa espanhola.
O telefone estava tocando.
Não pode, ela pensou. Não tem funcionado em mais de trinta anos.
Ela não iria atender. Ela sabia quem era.
Ele continuou a tocar, os sons estridentes apunhalando os seus tímpanos, o seu cérebro.
Ela não deve atender. Ela não faria isso.
O telefone continuou tocando.
“Não”, ela disse.
Tocando. Tocando. Tocando. Tocando.
Eu sei — tecnicamente, este último parágrafo tem quatro frases, mas vamos considerar o empilhamento em staccato do “Tocando” como uma frase com respirações parciais entre cada palavra.
Em vez de um único parágrafo de dez frases, temos parágrafos de uma ou duas frases, com a frase/parágrafo mais longo contando com 14 palavras, ou precisamente metade do tamanho da frase mais curta de Shirley Jackson.
Após esta cena, há um par de parágrafos um pouco mais longos, conforme a protagonista tenta assumir o controle da situação, mas isso é rapidamente descartado por mais ataques de staccato sobre os sentidos. E, assim como The Haunting of Hill House , o sucesso contínuo de Hell House é a prova da sua eficácia.